segunda-feira, 27 de maio de 2019

O infinito



Em dias cinzas me recolho.
No aconchego do meu quarto, penso em quem eu não fui e em quem eu poderia ser.
Penso naquela menina do metrô e em como teria sido nosso romance.
Penso nas alegrias não vividas e nas lágrimas que não foram derramadas.
Imagino céus que eu nunca vi e águas que nunca adentrei.
Como poderia ter sido?
Quais sensações eu poderia ter sentido?
Quem teria me feito sentir?
A menina do metrô?
Será que nós, em um outro universo, poderíamos ter sido?
Será, que em um deles, ainda podemos ser?
Pode ser até que nós já fomos e eu aqui sem saber.
Fecho os olhos,
Me vejo em outro lugar.
E, então, eu posso sentir a brisa contra meu rosto e o cheiro da macieira.
Corro pelo vasto campo verde de capim, com o mesmo entusiasmo de uma criança á conhecer o mundo.

Do alto de uma sequoia, uma harpia olha pra mim.
Bela e majestosa,
Feroz e voraz.
- O que te traz aqui? - Ela me pergunta.

Pensando no que responder,
Percebo a sequoia á olhar pra mim.
As formigas me encaram.
E as abelhas.
Um coelho olha pra mim, enquanto se esconde da harpia.
Enquanto se debate, tentando se desprender da teia, um grilo me olha.
A aranha faminta, me olhando, se aproxima do grilo indefeso.
A montanha olha pra mim.
Até que eu me vejo,
E me revejo,
E me percebo,
Enquanto o tempo para e corre ao mesmo tempo,
Enquanto a criação e a destruição ocorrem simultaneamente,
Enquanto, das cinzas, a fênix renasce,
Enquanto, onde dia e noite se revesam, há onde dia e noite não existam,
Enquanto, pra alguns, o perigo vem de fora, pra outros vem de dentro,
Enquanto, tanto o dinheiro, quanto a inocência são passíveis de roubo,
Enquanto, paradoxalmente, um olhar diz mais que mil palavras,
Eu descubro a resposta.
- O que me traz aqui?! Tudo e nada. O acaso e o destino. O amor e o ódio. O conhecimento e a ignorância. Pois tudo é nada, acaso é destino, amor é ódio e conhecimento é ignorância, assim como eu sou você. Pois infinitos universos infinitos coexistem, contendo TODAS as possibilidades, fazendo da verdade, mentira, em algum lugar; de sonhos, pesadelos; da vida, a morte; fazendo tudo que aconteceu, não ter acontecido, ou ter acontecido parcialmente, ou ter acontecido quase que completamente, ou ter sido diferente por apenas um detalhe.
Eu sou, fui e serei a harpia, a sequoia, as formigas, as abelhas, o coelho, o grilo, a aranha, a montanha e eu, e quem eu não fui, e quem eu serei e quem eu poderia ter sido.
O romance que poderia ter existido, existiu e não existiu e vai existir.
No aconchego do meu quarto estou pensando, enquanto reparo na menina do metrô, enquanto corro pelo vasto campo verde de capim, enquanto converso com a harpia, enquanto sou personagem de um texto, enquanto escrevo o texto ouvindo música, enquanto o tempo para e eu não existo, enquanto o tempo corre e oceano vira chuva e chuva, oceano.
O infinito é a única certeza.
O infinito contém os universos e não o contrário.
Sendo assim, o texto acaba e não acaba aqui.
Boa noite para você e todos os vocês que você é, já foi e será.