domingo, 18 de dezembro de 2022

Sou o amanhecer e o pôr do sol




Tolo é aquele que me olha e julga-me benevolente, honesta, bela, culta... tanto quanto aqueles que em mim enxergam um fruto podre, tão descartável quanto um copo plástico, soberba, boçal. Tolos são os que me julgam.


Eu sou o acaso e o destino, o ontem e o amanhã. Eu sou a seca e a nevasca. O caminho imprevisível e perigoso em uma corda bamba não me abala assim como sensação dos pés no chão não me para.

Nada me para.

Eu sou uma metamorfose. Eu sou o movimento tanto quanto a inércia. Não sou digna de pena mas passível de perdão.

Eu mudo dia sim, dia não.

E todo dia questiono-me se vocês também não.

O meu trajeto não é limitado a uma só opção. Se em uma encruzilhada me deparo, parte segue pra lá, outra pra cá e considero até mesmo a possibilidade de uma parte de mim pra trás voltar a andar.

E nesse tosco caminhar da vida, já fui tantas vezes dividida, que chego a indagar quantas frações de mim coexistem.

Minha cor preferida nem cor é.

Meu nome? Mudo conforme me multiplico, e também quando divido-me, assim como quando paraliso-me e até mesmo quando me esvaio em um suspiro na calada da noite escura que me consome.

Ninguém nunca terá autonomia pra me dar um nome.

Tampouco pra negar as vezes que tive fome, e menos ainda as que tive escolha, como jamais negar minha história, nem mesmo apenas uma folha. Uma página. Um capítulo.

Constroem uma vida que não vivi em ilusões mal arquitetadas baseadas em meros nadas.

E ainda assim jogam sobre mim incontáveis provas falhas, talvez por minha pele ser pálida ou pelos caracóis de meus cabelos serem alisados. A verdade não tem aparência. O que apenas com os olhos se vê não passa de maldosa fantasia.

A verdade é criptografia. É lida e compreendida por aqueles que gozam da faculdade de enxergar nas entrelinhas as eternamente infinitas e recorrentes verdades de uma vida meramente mundana. Por incrédulos seres sublimes conscientes das imensuráveis realidades que existentes.

Minha persona jamais poderá ser comparada àquilo que se vê na TV, ou naquele tal livro que lê... seja pro sono chamar, ou que a escola venha a leitura obrigar.

Eu sou a protagonista do filme que você nunca vai ver porque não saiu em DVD, porque não devo satisfação e não vendo história pra você se alienar, seja na poltrona ou no sofá.

Porque no final não tem moral, não existo pra você comigo aprender e se eu corresponder-lhe um olhar, quase que certamente é pra você se ligar, se afastar porque não perdeu nada aqui e moral não vou dar. O que cabe a mim não lhe convém.

Tolos são os que me julgam.
Que me julgam antes de entender,
Que minha história não está exposta,
Eu não sou um quadro no museu pra você apreciar, ou criticar, ou tentar entender, ou beleza nele ver, sem ao menos entender que eu sou pintura que se modifica,
Minha fluidez é surreal.

Eu não sou um decalque que se cola no papel,
Pra fazer dele mais bonito,
Ou pra apenas marcar a pagina do livro que em alguma frase veio a se identificar.

Eu não lhe dou liberdade
Muito menos o direito
De definir-me um ser com defeito,
Ou ser divino,
Ou algo qualquer.

Instigante e lapidada tolice,
Será possível um dia tornar-me um raro ser sublime?
Quando me olham não me veem.
Sou indescritivelmente eloquente
Única demais pra se comparar.

Que eu possa viver minha vida
Sem ninguém comentar
Aquilo que só a mim cabe determinar.

Eu simplesmente não te dou liberdade.
Cega-te com verdades incoerentes
Com uma interpretação rasa demais
De uma pessoa profunda.

Tolos são os que me julgam.